terça-feira, 18 de setembro de 2012

A vida das telenovelas ou as telenovelas da vida
 
No Brasil, não se sabe se a novela imita a vida ou se a vida vai no enredo da novela. Não há um dia em que as imagens da véspera tenham passado em vão, na verdade das conversas gerais. Nos espaços da rua e do trabalho, das casas e convívios sociais, o povo todo, o mais simples ou erudito, favelado, rústico, grã-fino ou intelectual, a gente inteira comenta o que se viu e ouviu na novela das oito. A novela é uma espécie de senha, código de comunicação, sinal entre todos, para a contemporaneidade. Copiam-se os modos dos atores, fazem-se modas e jeitos gerais, inventam-se gírias, cantam-se temas musicais. Horário nobre de televisão depois do Jornal Nacional, a novela é o jogo dos espelhos, o retrato do contemporâneo, o termómetro da gíria, do corpo e da cabeça. Autor de novela é estatuto de prestígio, grande ator/atriz é unanimidade nacional, jovem ator/atriz é promessa e revelação. Já em 1983, o poeta Carlos Drummond de Andrade consagrava a autora que fez da novela um género literário: “A morte de Janete Clair me dá ideia do fechamento de uma usina indispensável às necessidades do povo brasileiro. Usina de sonhos de consumo generalizado e da qual dependia bastante o equilíbrio psíquico de uma multidão sem acesso aos bens positivos da vida.”
A telenovela brasileira entretém como história inventada, ficção, rotina depois do telejornal e dos programas da noite. Hoje, tem uma audiência motivada pela excelência dos atores e da produção, pela atualidade dos temas tratados, pelo agrado do entretenimento, pelas emoções que distraem a tristeza dos dias. No dia 14 de abril de 1975, a estreia de Gabriela marcou uma outra revolução entre os brasileiros. Com a apresentação da primeira novela, houve um reencontro de todos, vivência da democracia conquistada. O romance de Jorge Amado transfigurado em televisão estimulou o convívio nas famílias, acordou uma nova consciência social. Os políticos suspendiam os trabalhos da Assembleia Constituinte, em frente da televisão. De repente, surgia uma nova sociedade, para além do serviço público de informação e esclarecimento político, educação de massas pela TV. Na novela descobriam-se afinidades com a realidade nacional, e o país com mais de 50 por cento de analfabetos iniciou-se em nunca ouvidas expressões, descobrindo a língua comum. Se em 1975 a livre expressão em Gabriela tinha incomodado o Governo Geisel, também em outras terras democráticas agitou os ânimos. A luta das mulheres pela liberdade, a vivência da sexualidade, a estética sensual do corpo. O machismo, a arbitrariedade dos poderes, a impunidade dos poderosos, a opressão das convenções foram propostas de discussão nacional.
Ao princípio, as novelas na televisão brasileira foram dramas ao gosto latino-americano. Amores fatais em exóticos cenários, misteriosas vidas, românticas sugestões seduziam os espectadores. À novela chegou a ousadia em 1951, com o histórico Lima Duarte a beijar na boca pela primeira vez, em Minha Vida me Pertence, censurado pelo austero Cardeal Arcebispo Arns, de São Paulo, e por um General do Exército.

Em 1968, Beto Rockfeller foi história de um pobre paulistano querendo ser milionário, em que cada personagem tinha o seu tema musical. Walter Avancini brilhou como realizador, Lima Duarte como ator e o povo adorou aquela atualidade. Anunciavam-se grandes mudanças na televisão. E o mais importante aconteceu em 1969, com Véu de Noiva, a novela de Janete Clair que passou a falar de brasilidade aos brasileiros. Regina Duarte estreava-se como protagonista na Globo, numa prévia da romântica personagem televisiva que seria a Namoradinha do Brasil. Com os “anos de chumbo” do Governo Médici, os autores descobriam a novela como denúncia, e a década de 70 foi fantástica, nos grandes títulos de ficção. Em O Bem Amado, de 1973, primeira novela brasileira a cores, a crítica social de Dias Gomes passava-se em Sucupira, com o Prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) e o matador Zeca Diabo (Lima Duarte).

Em 1975, o realizador Walter Avancini enfrentou os intelectuais que desprezavam a novela por vulgarizar a obra literária e os puristas contra a pronúncia nordestina pela primeira vez falada em televisão, lutando pela aproximação entre o Sul e o Norte do Brasil. Descobriu Sonia Braga, teve a excelência da produção e dos atores, a modinha de Gabriela, na voz de Gal Costa.

A mensagem política desagradou à Censura. Zélia Gattai recorda: “Cortavam, trocavam, para ver se a Globo desistia de fazer a novela. Depois a Globo quis fazer Dona Flor, e a censura disse: chega de Jorge Amado.” Em 1985, o país celebra a democracia, o Presidente Tancredo Neves, a urgência de uma Nova Constituição. Censurada em 1975 pelo Governo Geisel, Roque Santeiro alcança agora médias de 60 milhões de espectadores. O autor Dias Gomes envolve o triângulo do poder na família e na religião. O padre, o coronel-fazendeiro, o prefeito da cidade discutem a mulher, a Igreja, um Brasil agora diferente. A Ninon de Cláudia Raia e a Porcina de Regina Duarte tornam-se novos símbolos sexuais. “Falsa, Porcina é linda e querida por isso”, garante Dias Gomes, enquanto todo o Brasil imita a sua exuberância.

Outra virada se deu em 1988/1989, quando Vale Tudo, de Gilberto Braga, abriu com a música Brasil, de Cazuza, hino popular de indignação. Em muitas linguagens o diziam Reginaldo Faria, Renata Sorrah, Regina Duarte, Glória Pires, Beatriz Segall. “Quem matou Odete Roitman?”, perguntou-se até ao fim.

Nos anos 90 brilhou o autor Benedito Rui Barbosa, com O Pantanal, a revelar o corpo de Cristiane Oliveira. Com Renascer, de 1993, o ódio do fazendeiro interpretado por Antônio Fagundes contra o filho vivido por Marcos Palmeira. Com O Rei do Gado, em 1996, Antônio Fagundes na pele de Bruno Mezenga, apaixonado por Patrícia Pillar. Com Terra Nostra, os italianos em São Paulo, contracenando Raul Cortez, Ana Paula Arósio, Thiago Lacerda e o mito Maria Fernanda Cândido. Houve novelas com casos urbanos de família, conflitos de ideias, novos comportamentos. Drogas, alcoolismo, homossexualidade, vícios, violência. Heróis e vilões em confronto, e o Brasil em suspense, até ao último capítulo. Depois de 2000, os autores Gloria Perez e Manoel Carlos continuam a tomar a atualidade na sociedade brasileira. Laços de Família, O Clone, Mulheres Apaixonadas, América, Páginas da Vida, Caminho das Índias e Viver a Vida demonstram que os ritmos humanos são universais, em fases felizes ou adversas da vida.

Só em 2012, três novelas da emissora levam a assinatura de estreantes: A Vida da Gente, de Lícia Manzo, Cheias de Charme, de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, e Lado a Lado, a próxima das seis, que será escrita por João Ximenes Braga com colaboração de Cláudia Lage. No ano que vem, outro novato, o colaborador de Manoel Carlos Fausto Galvão, vai ocupar a faixa das seis. E ainda vem novidade lusitana por aí: esta semana, no Twitter, o veterano Aguinaldo Silva anunciou que o português Rui Vilhena vai estrear em breve uma novela na Globo.

A enxurrada de nomes novos é algo raro para uma emissora que nos últimos 47 anos, desde a estreia de seu primeiro folhetim, Ilusões Perdidas (1965), se baseia numa espécie de panteão de novelistas. Não que a Globo não investisse em renovação, mas ela nunca o fez como agora. A emissora criou uma Oficina de Autores em 1990, com vistas a reciclar a equipe, mas foi apenas a partir dos anos 2000 que a engrenagem operada por dramaturgos como Cassiano Gabus Mendes, Walter Negrão, Janete Clair, Silvio de Abreu, Glória Perez, Gilberto Braga e Ivani Ribeiro começou a receber combustível novo. A emissora começou arriscando um estreante a cada dois anos, intervalo que recentemente caiu para um ano. 
 O coautor de Insensato Coração e Paraíso Tropical conta que foi escolhido por Filipe Miguez e Izabel de Oliveira para supervisioná-los em Cheias de Charme. A prática tem se tornado cada vez mais comum e é uma maneira de os autores da velha guarda passarem, aos poucos, o bastão à nova geração. “Eles trazem mais vivacidade às tramas, escrevem cenas curtas e ágeis”, diz Linhares.
A influência do cinema também é uma marca registrada de integrantes da nova geração, como João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, sua quarta trama como autor titular. “Além de ter ritmo narrativo acelerado, as novelas de João Emanuel são exemplos claros da riqueza com que os personagens são criados. O maniqueísmo não é tão marcado, essa fórmula de bom versus mal está desgastada e os novos autores dão saídas mais interessantes para isso”, diz o roteirista de TV Flavio de Campos, que coordenou por 22 anos a Oficina de Autores da Globo.
Tutela criativa – Em comum, a maioria dos autores estreantes tem no currículo a colaboração com um novelista renomado, do qual carregam o legado. O carioca Filipe Miguez colaborou em quatro novelas de Aguinaldo Silva – Duas Caras (2007), Senhora do Destino (2005), Porto dos Milagres (2001) e Suave Veneno (1999) – e não nega que a experiência moldou seu estilo. A tática de se espelhar em um autor mais experiente é antiga. A diferença é que, hoje, a emissora oficializou a tutela dos autores experientes ao promovê-los a supervisores dos novatos, como ocorreu com Ricardo Linhares.
Se por um lado atende a uma necessidade de reciclagem de temas e abordagem e de reposição de autores que estão envelhecendo, por outro a abertura para estreantes supre uma demanda de produção gerada pelo novo formato das novelas. Hoje, os capítulos dos folhetins são maiores: nos anos 1990 e primeira década de 2000, a novela das oito ficava 50 minutos no ar, hoje fica 1h10. E as tramas das seis e das sete estão mais curtas, o que implica um número maior de enredos por ano. 
                                                                                                                            Por Vinícius Sylvestre
 
 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Triângulo Amoroso com as Cores do Brasil

  Simplesmente anos 40! Engraçado falar de coisas que aconteceram no século passado, uma vez que parece que algumas pessoas não o deixaram para trás. Imagine, então, retratar essa época conturbada, na qual grandes acontecimentos políticos se misturaram com o “glamour” do mundo da rádio e das suas estrelas. Sim, esta foi a proposta de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes quando apresentaram a sinopse de “Aquarela do Brasil” à direção da Rede Globo.
 Com um enredo romântico e centrado na ascensão da cantora Isa Galvão (Maria Fernanda Cândido) durante o período áureo da rádio, a minissérie de 60 capítulos apresenta o triângulo amoroso vivido pela cantora.

  A escalada de Isa Galvão como cantora de rádio começa em Roseiral, pequena cidade vizinha de Volta Redonda, em 1943. Nesta cidade a cantora conhece o Capitão Hélio Aguiar (Edson Celulari), um militar íntegro e patriota que está na cidade para investigar Felipe (Marco Ricca), suspeito de espionagem nazista. No passado o tio de Isa já havia sido preso por ter participado da ação integralista. Mesmo jurando inocência Felipe é preso e levado para o Rio de Janeiro, fazendo com que Isa também se mude para a capital.

  No Rio, ela conhece Mário Lopes (Thiago Lacerda), um pianista boêmio, que se apaixona por ela e procura ajudá-la em sua carreira. Isa também se encanta com ele, mas fica dividida entre o artista e o militar com quem já se envolvera profundamente, este é noivo de Beatriz (a talentosíssima Flávia Alessandra), o que não impede de se entregar completamente à cantora.

 Também no Rio, Isa conhece o empresário Armando Vasquez (Odilon Wagner, que desempenha com  perfeição personagens refinados e poderosos), dono da Rádio Carioca, casado com a submissa Dulce (Natália do Valle), mas que mantém um caso amoroso velado com sua ajudante Velma (Ângela Vieira, numa atuação esplendida e sensual), uma ex-vedete. É Armando quem lança Isaura como a cantora Isa Galvão.


 O universo da guerra permeia toda a trama: da preparação do Brasil para entrar na mesma ao embarque dos personagens junto com a FEB para os campos da Itália. Para ilustrar o clima da Segunda Guerra, alguns personagens mostravam a realidade dos judeus que fugiram de seus países para escapar ao Holocausto e se instalaram no Brasil. Entre eles, a jovem Bella Landau (Daniela Escobar, em uma interpretação marcante), que é salva de morrer nos campos de concentração por Axel Bauer (Felipe Kannenberg), um oficial nazista que se apaixona por ela. Axel torna-se um desertor do exército alemão ao fugir com Bella para o Brasil, onde os dois têm dificuldades para entrar no país. O Sr. Jakob (Gilberto Marmorosch), Sofia (Graça Berman) e Dr. Álvaro (João Signorelli) também ajudavam as pessoas que chegavam da Europa fugindo do conflito. Último trabalho de Lauro Cesar Muniz na rede Globo. A Minisserie teve cenas gravadas na Antiga Estância turista de São José do Barreiro, interior de São Paulo.



TRAMAS PARALELAS
O rádio
 A evolução dos programas de rádio e sua importância para a época são mostradas como pano de fundo da trama principal. Circulam nesse ambiente Pipo (Gerson Abreu), um técnico da rádio amigo do músico e apresentador Mário Lopes (Thiago Lacerda), e Soraya (Malu Valle), que apresenta um programa de sucesso no qual é uma espécie de conselheira sentimental, respondendo indagações de suas ouvintes.

O samba
  Representando o núcleo do samba, que começava a ganhar as rádios cariocas, a minissérie apresentou Bemol (Norton Nascimento), um compositor de sambas muito procurado por artistas renomados e também amigo de Mário Lopes (Thiago Lacerda). Bemol tem Celeste (Chica Xavier) por sua mãe e gosta de Neide (Adriana Lessa), que mora com um de seus dois filhos, o pequeno Pitu (André Luiz Miranda).

                                                                                                                           Por Vinícius Sylvestre

sábado, 1 de setembro de 2012

A volta da malvada: a atriz Patrícia Pillar será uma megera perigosa em “Lado a lado”.
ELITE
Patrícia Pillar como a nobre Constância: boas
maneiras e aversão pelo trabalho

 Após quatro anos fazendo apenas participações especiais na tevê, a atriz Patrícia Pillar retorna em grande estilo na nova novela das seis da Rede Globo, “Lado a Lado”, que estreia na segunda-feira 10. Para marcar a volta, ela vai ser novamente uma vilã, papel que representou a grande virada em sua carreira quando deu vida à odiada Flora, em “A Favorita”, justamente a sua última grande atuação. Na época, a atriz ganhou 17 prêmios. Envolta em rendas diáfanas e protegida por chapéus dos quais pendem cachos dourados, ela vai guardar a suavidade apenas para os figurinos e o visual. Na trama de João Ximenes Braga e Claudia Lage, Patrícia promete mostrar as garras como a ex-baronesa Constância, uma típica aristocrata carioca do início do século passado que se investe de um preconceito de classe ao ver diminuído o seu prestígio e poder econômico. A matriarca vai encarnar os ressentimentos da elite brasileira da época, marcada pelo fim da monarquia, e expor o racismo, segregacionismo e a cobiça nos laços domésticos e nas relações sociais. Esse momento complexo estimula a atriz: “Esse é um período especialmente rico da história do Brasil. A República que temos hoje, com seus defeitos e qualidades, nasceu ali.”

Para viver Constância e incorporar à sua personalidade o jeito de “bem-nascida”, a aversão pelo trabalho e a fineza no trato social das pessoas de seu círculo, a atriz fez preparação corporal e frequentou palestras sobre a época enfocada. “Mas tudo o que eu precisava para compor a personagem encontrei no próprio texto”, afirma. Na visão da ex-baronesa, é justamente o berço que a distingue dos “reles mortais”. Essa suposta superioridade vai ser posta à prova quando a sua filha Laura, vivida por Marjorie Estiano, ficar amiga da descendente de ex-escravos Isabel, uma empregada doméstica interpretada por Camila Pitanga. E mais ainda, quando o filho Albertinho (Rafael Cardoso) se apaixonar por ela. Além das relações inter-raciais, “Lado a Lado” vai tratar também da emancipação feminina por meio das personagens Laura e Isabel, consideradas à frente de seu tempo. “Falta ainda conquistar uma maneira de ser livre sem negar a nossa natureza feminina”, afirmou Patrícia.
Rafael Cardoso e Camila Pitanga

CARMINHA X FLORA
As diferenças e semelhanças entre as vilãs encarnadas pelas talentosíssimas Adriana Esteves e Patrícia Pillar.
Ambas as malvadas saíram da imaginação do mesmo novelista, o carioca João Emanuel Carneiro.
Em “A Favorita”, Flora começou a novela como vítima e depois revelou-se uma terrível vilã. No início de “Avenida Brasil”, Carminha mostra-se vilã, mas, no decorrer da trama, torna-se principal vítima de sua enteada.
As duas vilãs tratam as filhas com xingamentos. Flora chamava Lara (Mariana Ximenes) de “vaquinha” e “purgante”; Carminha vive humilhando a pequena Agatha (Ana Carolina Lannes) por ela ser gordinha.
Flora esfaqueou o velho comparsa  Silveirinha (Ary Fontoura) e alvejou o ex-namorado Zé Bob (Carmo Della Vechia) com um tiro. Carminha contribuiu para a morte do bondoso marido Genésio (Tony Ramos).
O pano de fundo da belle époque carioca, com suas revoltas sociais e a mistura de culturas que gerou o samba, a capoeira e o futebol, levou a um cuidado especial com a direção de arte. Um dos destaques do cenário é uma réplica da rua do Ouvidor, montada nos estúdios do Projac, e a reconstituição de ângulos do Rio Antigo, feitos em externas na cidade de São Luís, no Maranhão, e em Petrópolis, na região serrana. Tudo isso para tornar mais convincente o contexto social em que transitam personagens como a vilã Constância. “A aurora do século XX foi marcada por metamorfoses extraordinárias, mas ainda existia um resquício do racismo e o preconceito em relação ao trabalho, especialmente por quem auferia lucro com a mão de obra escrava”, afirmam os estudiosos sobre o assunto que será retratado na próxima novela das seis. 
 Por Vinícius Sylvestre