sábado, 13 de outubro de 2012

Um ator de conteúdo
“Ser ator é uma necessidade existencial, embora tenha encontrado muitas dificuldades nesta trajetória. Porém, as dificuldades sempre foram menores do que minha vontade de realizar este sonho”, disse o simpatissíssimo ator Déo Garcez (Deolindo Rodrigues Garcez), de 45 anos, mas com cara de adolescente e corpão de menino do Rio, que venceu todas as fronteiras e preconceitos de São Luís do Maranhão, tem participado de filmes, novelas e seriados de TV, contracenando com grandes nomes da televisão brasileira.
Texto: Vinícius Sylvestre
Fotos: Luciene Craveiro
Apesar de volta e meia estar presente nas telas, o ator afirma que os convites não surgem por acaso. Segundo ele, a batalha é diária e a cada dia tem que matar um leão, ou seja, tem que levar seu currículo, fazer testes e esperar ser chamado. Ator desde os 11 anos de idade, Déo está vivendo um momento feliz no universo infantil , interpretando o senhor Marcos Morales, no remake de “Carrossel”. Mas em 2010, com a nova montagem do espetáculo "Morte Sobre a Lama", de Ricardo Torres que participou da “8ª edição do Festival de Teatro da Cidade do Rio de Janeiro”, Déo recebeu o prêmio de melhor ator. Nessa entrevista exclusiva, o ator fala sobre sua carreira, o preconceito existente na televisão e dá conselhos para quem está ingressando na profissão.
Déo, como você descobriu sua vocação pra carreira artística?
Um grupo teatral levou a minha escola para assistir uma peça infanto-juvenil lá em São Luís do Maranhão. Na época eu tinha 11 anos, e ao assistir aquela peça eu me apaixonei pelo teatro. Quando a peça terminou, procurei a bilheteria e me apresentaram o diretor que era o Reynaldo Faray, um homem muito importante nas artes e na cultura de São Luís do Maranhão. No ano seguinte fiz o curso de iniciação teatral com o Faray, que me deu uma ampla bagagem cultural. Estreei no palco do Teatro Arthur Azevedo com a peça Flicts, de Ziraldo, e não parei mais de representar. Trabalhei muito nesta área, depois fui pra Brasília , continuei neste ramo  , até ingressar na faculdade de teatro. Quando vim para o Rio de Janeiro trabalhei com teatro e televisão.

Você começou sua carreira na televisão no final dos anos 70, integrando o elenco do programa “Lagartixa já era, Virou Borboleta”, de autoria e direção da Lêda Nascimento. Que lembranças você tem daquela época?
Era um programa infantil com bonecos gravado na TV E. As lembranças são as melhores possíveis! Eu era pré-adolescente, cheio de vontade ,  sem preocupação nenhuma com resultados, sabe? Estava amando descobrir a arte teatral. Foram lembranças que nortearão a minha vida. Fazer televisão era uma coisa mágica. Foi tudo! (risos)

O que é mais difícil para um ator em inicio de carreira?
Acho que a colocação nesse competitivo mercado de trabalho. Claro, existe a dificuldade do aprendizado e também de encontrar boas escolas de teatro, bons profissionais que ensinem verdadeiramente o trabalho de um ator, preparar o iniciante tecnicamente, isso é uma grande dificuldade, encontrar os profissionais certos para aprender como fazer!

Sua primeira novela na teledramaturgia brasileira foi “Xica da Silva” (TV Manchete/1996). Como surgiu o convite pra você interpretar o mucamo Paulo?
Eu tinha chegado no Rio e já estava acontecendo a pré- produção da novela. A produtora de elenco me ligou,  dizendo que o Walter Avancini estava fazendo testes com atores para o papel. Fiz o teste com inúmeros atores cariocas e fui escolhido sem tem a menor experiência com novela. Foi meu primeiro personagem na televisão, numa oportunidade maravilhosa. Antes tinha feito um curso com o Wolf Maya e outro com a Tizuka Yamazaki de interpretação para vídeo e TV. Em Brasília antes de vir para o Rio, eu  já tinha feito dois cursos de teatro onde fui bacharelado em interpretação teatral e licenciado em artes cênicas. No curso de bacharelado em Brasília, tive a felicidade de ser aluno da eterna Dulcina de Moraes. Isso é um luxo, privilégio, é uma riqueza muito grande, uma bagagem impressionante e maravilhosa!

E como era seu contato com o temido Walter Avancini durante a novela “Xica da Silva”?
Sempre estava em contato com o Avancini. Ele era considerado um dos grandes profissionais da teledramaturgia. Foi tranquilo, apesar de saber que ele era um diretor muito ríspido, muito exigente, mas também por outro lado muitíssimo competente. Ele gostava do meu trabalho, tanto é que me escolheu a partir daquele teste. No primeiro contato , ele me colocou pra ler os capítulos que já estavam em minhas mãos, e juntos nós fomos descobrindo, por exemplo, o olhar do personagem. Era um diretor que trabalhava muito os detalhes de criação, sabe? Buscando verdadeiramente a essência de cada personagem! Sentamos em sua sala, ele pediu pra eu ler o texto , pediu pra eu dar uma respiração, um olhar para a personagem, e aí foi o momento que ele disse: “É isso!”. E a personagem foi surgindo e acontecendo! (risos)
Você acha que a novela distancia o público da realidade?
Talvez sim, quando se glamoriza a questão de classes sociais inferiores. O pobre mostrado na novela , não é o mesmo da vida real. Acredito que tenha um certo glamour, sim. O que já e o contrário do cinema que mostra a verdade nua e crua! Já a novela acaba glamorizando a pobreza.

Um personagem seu que eu adorava era o Ezequiel dos Anjos da novela “O Cravo e a Rosa” (TV Globo/2000) que era o assistente apaixonado da malvada Marcela (Drica Moraes). Como foi participar dessa maravilhosa novela?
Viver o Ezequiel foi maravilhoso. Década de 20. Novela de época, que exige muito mais do ator. Eu tinha vindo de Xica da Silva, na qual eu vivi um escravo submisso e ignorante. E no Cravo e a Rosa, que também era escrita pelo Walcyr Carrasco e dirigida pelo Avancini, eu fiz um personagem oposto do que tinha vivido. Um homem estudado na Sorbonne em Paris, sofisticado, que ensinava boas maneiras... Eu sou um ator que adoro essa possibilidade da diversidade de personagens, perfis diferentes, é um desafio que eu particularmente adoro. Tanto é que você gostou, né? (risos)

Numa das suas inúmeras entrevistas, você disse que "trabalhava em duas escolas municipais de Ensino Fundamental". Você era professor?
Sim, dei aulas de teatro durante onze anos aqui no Rio de Janeiro. E durante um ano em Brasília. Quando  fiz o curso  de teatro lá,  fiz também o bacharelado , interpretação, e a licenciatura. Dei aulas de artes cênicas para alunos de 1º e 2º grau. Tenho um amigo que fala sempre: “Déo, depois que você começou a dar aula, se tornou um outro ator.” Porque é aquela história, o professor é um ator por natureza. A cada turma é um desafio diferente. Pra mim foi uma bagagem muito grande! E foi ideal durante 11 anos.

Então, como você encara esse descaso que o governo tem com relação à educação no Brasil?
Encaro isso de uma forma muito crítica. Acho terrível a falta de educação, cidadania... Isso está refletido na violência das ruas sujas, na falta de consciência no comportamento social, os analfabetos culturais... É triste saber que ainda temos um percentual bem alto de analfabetos. Um real investimento deve ser feito a fim de mudar essa realidade. Eu sou daqueles que tive a oportunidade de estudar numa escola pública de ótima qualidade, tive excelentes professores, tanto que o nome da escola era: ‘Escola Modelo Benedito Leite’, lá no Maranhão era uma escola padrão. Isso fez despertar em mim o meu dom artístico. A educação está ligada diretamente a cultura, as artes, ao desenvolver os dons e as habilidades de cada um, né! Só tenho à agradecer.
Recentemente você participou do longa metragem “Ódio” (2012), dirigido por Luiz Rangel. Como foi a experiência em viver a personagem Vanusa?  Tem planos de atuar novamente na ‘sétima arte’?
Foi fantástico! Eu não conhecia o Luiz Rangel. E  quando me chegou esta personagem , foi de uma indicação do meu amigo e ator Dionísio Correa que tinha feito Canavial de paixões comigo no SBT. Ao assistir meu link,  o Rangel gostou e mandou me chamar. Vanusa era um travesti do filme. Era um remake dos anos 70. Foi uma brincadeira muito gostosa, que deu super certo,  porque todos que estavam no set de gravação  riam muito com a Vanusa. Eu a criei,  e o trabalho virou um jogo que deu certo. Eu tô louco pra assistir o resultado nas telas! Já tenho dois filmes pra fazer ano que vem, um deles é o Inferno setenta, do Rangel, no qual começaremos a gravar as primeiras tomadas ano que vem. Sobre o outro filme ainda não posso falar ,porque o projeto ainda está muito embrionário!

A novela "Mutantes" da Rede Record foi o terceiro texto do autor Tiago Santiago em que você trabalhou. Como foi participar da trilogia desse autor?
Realmente, foi um personagem interessante. Era um professor de história, homossexual, usava tranças e tal. Foi um desafio profissional que eu curti muito fazer. Foi curioso porque esse personagem viajava no decorrer da novela e voltava no final, continuando em outra novela do mesmo autor, que era Mutantes. Com outras informações, diferente, mas com a mesma essência. Foi uma experiência nova passar de uma novela pra outra, com o mesmo personagem.

A voz de alguns artistas se rebelam contra a gestão governamental da cultura desse governo Lula/Dilma que pouca coisa faz, mas entre o exagero dessa expressão e a covardia dos que aderem, sem mais, ao governismo – qualquer governismo –, a sociedade civil deve ficar com os exageros. O que você acha que estamos vivendo uma crise cultural no Brasil?
Realmente poderíamos ter mais oportunidades. Um exemplo é a Lei Rouanet. Eles poderiam facilitá-la para que possa democratizar mais a cultura especialmente no teatro. É uma dificuldade muito grande conseguir patrocínio, quando se não é um global, entende? Eu acho que por falta desse berço, de preparação da arte nas escolas e de ensino regular. Também falta o apoio governamental que estimule a cultura. Precisamos cobrar mais das autoridades, essa postura de efetivar algo mais eficiente a favor da cultura brasileira. Investir mais no teatro, nas artes plásticas, no cinema que tá tendo mais visibilidade, né? A gente vê as coisas acontecerem muito no Rio e São Paulo, e o país não é só esses dois estados. Espero que a democratização não fique apenas nas mãos dos mesmos grupos, também devemos lembrar que o Nordeste o Centro-Oeste precisa de apoio governamental. Ainda tenho esperança de que isso vá acontecer!

Atualmente você vem dando um show de interpretação como o senhor Marcos Morales na novela “Carrossel” (SBT/2012). O que você pode adiantar sobre os rumos desse seu maravilhoso personagem?
A princípio eu não tinha grandes expectativas, quando fui convidado para integrar o elenco. Inclusive tive a felicidade de ser escolhido pela Íris Abravanel (autora de Carrossel), esposa do Sílvio Santos. Na primeira versão, a personagem era um ator mais velho na faixa dos 65 anos, branco e tal. Daí eu percebi que a autora esta fazendo um contraponto com o ator que fez antes a personagem e eu, que sou um ator mais novo e negro. É uma novela que está sendo feita para unir a família brasileira. As crianças chamam os pais para assistirem, virou uma febre de Carrossel! As crianças aprendem sobre educação, cidadania, boas maneiras, ética... Quando a novela estreou , a repercussão nas mídias sociais foi imediata. Porque eu acho que novela não é só pra divertir, mas também para ser pensada, sabe? O senhor Morales é um homem do bem, e que me traz um retorno muito positivo. Isso me deixa muito feliz, apesar de gravar pouco. Digamos que seja uma participação especial. (risos)
O que você ressaltaria do texto da autora Íris Abravanel? E como está sendo essa parceria de sucesso?
Ressalto a contemporaneidade que ela está dando na novela ,que deixa a obra com a cara do Brasil. A questão do preconceito, o bullying, o fato de me escolher pra fazer o senhor Morales. Também ressalto a reflexão da alegria, na qual ela usa para retratar as histórias daquelas crianças. Aborda temas sérios e necessários para serem discutidos de uma forma alegre.
Você é um dos atores mais comentados e queridos do público GLS. Como é a sua relação com essa turma?
Isso se deve em relação a novela Xica da Silva, né! Quando minha personagem participava de um ardente triângulo amoroso com as personagens da Giovanna Antonelli e do Guilherme Piva, onde acontecia uma relação homossexual e bissexual. Esse personagem se tornou um ícone para o público GLS. Eu sou uma pessoa livre de preconceitos, até porque a essência da arte e do artista é o altruísmo e também a generosidade. Vivemos no século XXI,  onde eu tenho certeza que os tabus devem ser rompidos. Então ,  acho que é obrigação do artista ser generoso.

Para um ator negro ainda não é nada fácil, mas nos últimos tempos temos visto alguns pequenos avanços. Alguns prêmios já foram entregues a alguns atores negros. O que isso representa para você? Será realmente um incentivo ou uma maneira deles dizerem que estamos falando demais?
Prefiro acreditar que seja mesmo um reconhecimento de valores, dos talentos, torcendo pra que esse avanço seja mais rápido e que as portas possam se abrir mais e mais. Não apenas a alguns atores negros, mas a todos os atores negros. Acredito que a população negra comemora ao ver nossa raça retratada na TV de forma digna, sem discriminação e em igualdade de condições. Algo tem que ser feito para o bem, porque não dá pra negar a participação da nossa raça na sociedade. Somos negros, temos o samba, a dança, a comida, e tantas coisas mais.
Que dica você deixa pra quem almeja se tornar ator?
Quando se tem uma paixão deve -se  lutar por ela, batalhando verdadeiramente. Eu vim de uma origem humilde, onde nunca tinha visto teatro,  quando vi me apaixonei, coloquei na minha cabeça que eu queria viver de atuar e representar. Estudar, procurar pessoas que compartilhem de suas ideias, entrar num bom grupo de teatro, ao mesmo tempo fazer um curso de artes cênicas. Algo importante nessa profissão é nunca esperar por ninguém, por nada! Procurar ir à luta, acreditar em nossos sonhos é investir e meter a cara nesse competitivo mercado de trabalho. Quando tiver uma oportunidade, agarre com unhas e dentes! Estar preparado tecnicamente, quando a oportunidade chegar não a solte jamais! Esse é o conselho que deixo para os meninos e meninas que querem seguir essa profissão de ator e atriz.

Antes de finalizarmos a nossa tradicional pergunta: Quais foram às novelas que você mais gostou de assistir?
Olha, a primeira novela que eu assisti e adorei foi Selva de Pedra, da saudosa Janete Clair. Me marcou muito também a novela O Bem amado, na qual eu não esqueço do Paulo Gracindo, e  o Lima Duarte impagável na pele do pistoleiro Zeca Diabo. (risos) Eu me lembro que o Rogério Froes era um padre, anos depois trabalhei com ele. Foi maravilhoso, era um sonho que eu tinha desde menino: conhecer  e trabalhar com pessoas que foram meus ídolos ,que são referências pra mim ! Então, outra novela que achei linda foi Renascer, que tinha uma trilha sonora magnifica. Não posso me esquecer de Escrava Isaura, que foi dirigida pelo Herval Rossano e adaptada pelo Gilberto Braga.

Para encerrar, boa sorte na vida e que ela seja um sucesso!
Eu agradeço muito o seu chamado Vinícius. Nós precisamos de vocês, abração!
(Locação: Agradecimentos ao CCBB e Livraria da Travessa Centro – RJ.)

Um comentário:

  1. Bacaníssima a entrevista com o Déo. Ótimo o Blog, Vinícius. Super curti. Sucesso sempre.

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